Por Davi Carvalho
A regulação em saúde foi o tema central do II Seminário Internacional de Regulação em Saúde, promovido pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), que reuniu gestores públicos, especialistas e pesquisadores para debater os principais desafios da regulação no sistema de saúde brasileiro e internacional. O encontro, realizado há pouco mais de um ano, atualiza a discussão sobre os mecanismos regulatórios em tempos de rápidas transformações tecnológicas, mudanças demográficas e persistentes desigualdades no acesso aos serviços de saúde.
No centro dos debates esteve a necessidade de consolidar a regulação como eixo estratégico do Sistema Único de Saúde (SUS), articulando políticas públicas, financiamento, redes de atenção e novas tecnologias. O seminário apontou que a regulação não se restringe ao controle de fluxos assistenciais, mas funciona como instrumento de governança, mediação entre níveis de gestão e garantia de uso racional dos recursos disponíveis.
A complexidade das redes regionais de atenção foi amplamente discutida. O modelo brasileiro, marcado pela descentralização e pela coexistência de diferentes formas de gestão, requer instrumentos regulatórios capazes de lidar com especificidades territoriais sem abrir mão da equidade e da integralidade do cuidado. A pactuação entre entes federados e a coordenação interfederativa foram destacadas como condições estruturais para o funcionamento efetivo da regulação, especialmente nos contextos de assimetrias regionais e déficits estruturais de infraestrutura e pessoal.
A integração de tecnologias digitais à regulação foi outro ponto de destaque. A incorporação de sistemas de inteligência artificial, algoritmos preditivos e plataformas digitais tem alterado profundamente a forma como o acesso aos serviços é organizado. Essas soluções vêm sendo utilizadas para priorizar atendimentos, otimizar recursos e prever demandas, mas também levantam questões sobre transparência, segurança da informação e risco de reforço de desigualdades históricas no acesso à saúde.
Participantes do seminário alertaram que a velocidade da incorporação tecnológica exige uma atualização dos marcos regulatórios, com definição de critérios éticos, mecanismos de responsabilização e proteção dos dados dos usuários do sistema. Além disso, a transparência dos processos e a participação da sociedade civil são apontadas como fundamentais para garantir que essas inovações não resultem em exclusão, mas em avanços concretos na cobertura e na qualidade dos serviços.
A experiência internacional também compôs a programação do seminário. Modelos europeus de agências reguladoras independentes foram apresentados como referências úteis para o debate brasileiro. Essas agências possuem autonomia para atuar tanto no setor público quanto no privado, combinando avaliação de desempenho, regulação econômica e supervisão de qualidade. Em contraste, os sistemas de regulação de países em desenvolvimento — como o Brasil — ainda apresentam forte dependência de estruturas administrativas centralizadas e menor autonomia técnica.
A governança ambiental dos sistemas de saúde surgiu como um tema transversal às discussões. Com o agravamento da crise climática e o aumento da demanda por serviços, a necessidade de integrar critérios de sustentabilidade às decisões regulatórias foi tratada como urgente. A regulação ambiental da saúde envolve desde o monitoramento de impactos das unidades assistenciais até a definição de normas para aquisição pública, uso de energia e gestão de resíduos.
Outro eixo do seminário foi a relação entre pesquisa acadêmica, avaliação de tecnologias e formulação de políticas. Os participantes destacaram que o fortalecimento da regulação exige base técnica robusta e diálogo permanente com a produção científica. Parcerias entre instituições de ensino, centros de pesquisa e gestores públicos são vistas como estratégias para qualificar o processo decisório e garantir que ele seja orientado por evidências. Nesse sentido, o aprimoramento das metodologias de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) foi apontado como central para que a regulação atue com mais precisão na incorporação de novas práticas clínicas e terapêuticas ao SUS.
Por fim, o seminário evidenciou que a regulação precisa estar atenta às desigualdades territoriais e sociais que atravessam o sistema de saúde brasileiro. A regulação orientada pela equidade requer não apenas ferramentas de controle e planejamento, mas também a definição de prioridades políticas e compromisso institucional com a redistribuição de recursos e serviços.
O evento reforçou que a regulação é um campo dinâmico, que deve responder às transformações sociais, tecnológicas e ambientais em curso. A construção de uma regulação capaz de garantir acesso, qualidade e sustentabilidade ao SUS depende da articulação entre diferentes esferas de governo, da participação social e da capacidade de adaptação das políticas públicas aos desafios contemporâneos.